quinta-feira, 3 de setembro de 2009

UM POEMA P’RA BENGUELA,

A MINHA CIDADE

Jaime Azulay*

Nunca escondi o temor que nutro pelos críticos das literaturas, mas mesmo assim arriscaria escrevinhar um poemazinho p’ra minha cidade. Um poema-calema embrulhado nas crónicas côr-de-mar de João Eugénio, adocicado pela poesia-gajaja de vavó Olímpia, colhida no Sol Ardente de “Góia”. Benguela merece um poema vestido com os trajes bonitos da sua inconfundível beleza. Nossos poetas partiram cedo, para a grande viagem sem regresso. Alda Lara, Raul David, Nuno de Menezes, Aires de Almeida Santos, Ernesto Lara.Quantos mais? Do kalundo sempiterno vigiam a sua cidade-menina. Os poetas nunca morrem! Desçam da Camunda, agora que o NOVO DIA está a nascer! Venham ver a cidade lutando para transformar sonhos antigos em realidade-presente. Ninguém mais tem medo agora. O sombreiro afinal não é um vulcão sinistro com larvas incandescentes em gestação. É a cama do Sol da Esperança Prometida.

Que tem de mal um poema assim? Que se danem os que lhe acharem defeitos sem fim. Cassoco, Benfica, Capiandalo, Camunda, Kasseque, Massangarala. Bairros pobres, humildes/gente trabalhando/vivendo ou morrendo/ numa esteira de capim a servir de cama/encardida e desfeita/ dentro de cubatas com paredes de adobe.

A minha cidade é a mais linda do Mundo porque é a minha cidade. Os bairros da velha “Ombaka” preenchem os versos vestidos de folhos e buganvílias vermelhas trazidos no regaço de Alda Lara. Tem gente que sabe tudo/Mãe negra não sabe nada/ai de quem sabe tudo”.

Não seria um poema-cobaia para ser dissecado na mesa de autópsia dos super-escribas, entre arrotos de Whisky escocês e espirais de fumo havano. Talvez até seja pretensão chamar-lhe poema, mas vejo-o surfar a crista das calemas transbordantes de Março. Aprendizes de poeta escreverão poemas fraternos nas noites que nunca acabam. E eu escreverei o meu. Deixem-me esfolar os joelhos nos degraus da ingenuidade provinciana do meu poema. O meu sonho é voar nas asas serenas da meninice inocente. Será apenas um poema p’ra minha cidade. Um poema feito Arca de Noé, para o amor encher todos os porões e transbordar para o mar azul. Virão as ondas do mar espalhar o amor no rendilhado cálido da praia morena, com mil crianças a brincar ao sol, num chilreio doido de satisfação e sem medo dos tubarões.

Benguela, a nossa/minha cidade merece um poema assim. Um poema despido de inquietações, os sobressaltos a apodrecer nas prateleiras aboletadas de todas as promessas vazias que Mamã Chica guardou com o azedo de outras kissânguas.

Certamente um poema escrito à tardinha, o sol a tombar para além do sombreiro. Sentiremos os pulmões insuflados com o feitiço do entardecer na nossa cidade. Os nossos corações palpitarão com o canto dos catuituis nas acácias-rubras. Em cada galho florescerão mil pétalas de fraternidade.

*Estudante do Curso de Direito

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