Os falares e os dizeres da língua portuguesa
A língua
portuguesa, essa com que nos comunicamos, e que tendo sido outrora estrangeira
hoje é tão orgulhosamente nossa, dizemos, angolana, foi alvo de uma abordagem
profunda no III
Congresso Internacional da Língua Portuguesa organizado pela Universidade Jean Piaget
de Angola nos dias 18, 19 e 20 de Setembro.
Com
participação de académicos dos vários países da CPLP, com excepcão da Guiné
Bissau, e de estudantes de várias universidades angolanas, com predominância,
naturalmente, da anfitriã, foram, concretamente, discutidos os desafios da
Língua Portuguesa em Angola e no mundo, à luz das dinâmicas linguísticas e
culturais impostas pela contemporaneidade.
Ao longo dos
três dias de congresso foram apresentados e debatidos os temas “A Língua
Portuguesa e a Hermenêutica dos Textos Orais Africanos”; “As políticas
linguísticas na CPLP”; “A Língua Portuguesa no Ensino e na Investigação: desafios
no século XXI”; “A Língua Portuguesa como Instrumento de Comunicação e de
Intercâmbio Cultural na CPLP”; “A Contribuição da Literatura no Desenvolvimento
da Língua Portuguesa”; “A Influência das Línguas Africanas no Ensino e na
Aprendizagem da Língua Portuguesa”; “A Língua Portuguesa e o Acordo
Ortográfico.
Vantagens e
Desvantagens”; e “Os Falares, os Dizeres da Literatura na Língua Portuguesa”.
Tendo em
conta, até, o facto da plateia ser composta quase inteiramente por docentes e
estudantes angolanos, as discussões tiveram como foco a realidade linguística
de Angola. Mas foram também apresentadas as experiências do uso da língua
portuguesa, sobretudo
no ensino,
nos países da CPLP.
Às tantas,
chegou-se à evidência de que nos PALOP, onde a língua portuguesa coexiste com
outras, nativas, prevalecem as semelhanças: à par da norma europeia que a
Escola faz por
impor existe
a língua portuguesa de feição local, amplamente usada no dia-a-dia e
reivindicada e recriada pelos escritores; com profundas interferências semânticas
e estruturais das línguas africanas, esse português local, no caso de Angola,
angolano, acaba
por colidir
na Escola com o português europeu – a norma - sendo considerado
desvio,
senão mesmo erro; a questão de estabelecer um centro normativo com base na
história e na realidade linguística dos países é essencialmente um assunto
político.
Esse
conjunto de constatações levou o linguista Mbiavanga Fernando, da Universidade
Agostinho Neto, a afirmar: “Falamos o português que não aprendemos na Escola e
aprendemos na Escola o português que não falamos”. Mbiavanga Fernando insistiu na
necessidade dos professores “olharem para a periferia dos estudantes para
tentarem compreender as causas dos modos das suas falas”.
Xoán Carlos
Lagares, docente da Universidade Federal Fluminense, do Brasil, trouxe a tona a
experiência daquele país: “Os problemas do português em Angola também são
enfrentados no Brasil. Só que no Brasil já há mais de um século de discussão
sobre a norma, desvios, etc., etc., e há a noção de que todo o mundo fala mal o
português.
Mas se todo
o mundo fala mal, então todos falam bem”. Xoán Lagares sugeriu que se faça um
estudo descritivo do português culto falado em Angola, pois, referiu, a partir
daí ficará mais fácil criar uma norma angolana, já que tudo tem de se basear na
compreensão do funcionamento da língua. “Se
um desvio linguístico é compartilhado por políticos, académicos, jornalistas, escritores,
isto é, pela classe culta, isso já não é um desvio. Sendo considerado um desvio
cria uma insegurança linguística”. Filipe Zau, reitor da
UniversidadeIndependente, de Angola, desconstruiu a noção vigente de lusofonia –
um termo pós-colonial que alude a uma certa portuguesofonia - e rebateu
a existência
de uma identidade lusófona atribuível aos povos dos PALOP.
O
investigador defendeu a necessidade de se promover uma discussão académica à
volta do termo lusofonia e da sua eventual similaridade com a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa. Mas foi já avançando que se constata que “a
declaração constitutiva da CPLP, bem como qualquer outra declaração oficial
saída da conferência dos Chefes de Estado e de Governo, do Conselho de
Ministros, das reuniões sectoriais de ministros dos diferentes foros, do comité
de concertação permanente ou do secretariado da CPLP são completamente omissas em
relação ao termo lusofonia”.
Segundo
disse, “o conceito de lusofonia acabou aparentemente por se inserir numa visão
prospectiva, fundamentada exclusivamente em princípios doutrinários que hoje,
no âmbito da concertação político-diplomática da CPLP, se consubstancia em um dos
seus pilares”. Porém, acrescentou, “a lusofonia terá actualmente de ter almas e
uma fundamentação epistemológica que justifique o facto de toda a gente falar
dela, sem de facto ninguém saber o que ela é”. Beatriz Afonso, da Universidade
de São Tomé e Príncipe, fez uma panorâmica da situação da língua portuguesa no
seu país, nomeadamente do seu ensino e convívio com as línguas de origem local.
Para muitos, afirmou, “o português normativo em São Tomé e Príncipe não passa
de uma abstracção, uma vez que a variedade oral da língua portuguesa, que
constitui a língua materna da maioria dos sãotomenses, é profundamente divergente do português europeu na
sua estrutura sintáctica, semântica, fonológica e
lexical por fenómenos de interferência”.
Elvira Reis,
da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, apresentou um estudo
sócio-linguístico que espelha a situação do sistema de ensino do país, que
segundo disse, “formalmente rejeita a língua materna dos caboverdianos – o
crioulo”. Luís Miguel Sebastião, de Portugal, dissertou sobre o tema “Formar em
Português, sob o signo da Torre de Babel- Da importância formativa/coesora da
Língua Portuguesa, quando se pensa noutras línguas; o Ensino Superior, a Língua
Portuguesa e as Línguas Nacionais dos países da CPLP”.
Benjamim
Corte-Real, representante de Timor Leste especialmente mandatado pelo
presidente Xanana Gusmão, deu a conhecer os detalhes do programa governamental
de promoção e expansão da língua portuguesa naquele país.
No
encerramento, o ministro do Ensino Superior, Adão do Nascimento, elogiou a
UniPiaget pela realização do certame, bem como os prelectores pela alta
qualidade das suas comunicações.
Texto de ISAQUIEL CORI, retirado do Jornal Cultura, Nº67, 13 a 26 de Outubro de 2014, p.12
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